Nascidos na guerra

Documentário de hora e meia foi apresentado ontem em Lisboa

Um jornalista italiano da revista francesa Paris-Match com duvidosa experiência em conflitos militares está na origem do modelo de treino das tropas Comandos, criadas a contra- -relógio pelo Exército, nos anos 1960, para a luta de contra-guerrilha em África.

Cesare Dante Vacchi, antigo sargento da Legião Estrangeiro, "afirmava ter uma grande experiência de guerra, porque tinha vivido alguns conflitos. Nunca cheguei a perceber muito bem se todos como jornalista ou alguns como combatente. Ele também não era muito claro nisso", lembra o então tenente Caçorino Dias, instrutor dos dois grupos de operacionais que dariam origem (em 1963/64) às forças especiais de Comandos.

Este é um dos vários depoimentos que constam do documentário Comandos, Um Contributo para a História 1962-2006, ontem lançado no Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa, pela Associação de Comandos e pelo seu realizador e produtor, Carlos Santos, repórter de imagem que fez a tropa (1983/85) nos Comandos.

O documentário, com cerca de cem minutos, está dividido em seis capítulos: os primeiros três sobre a criação e emprego operacional dos comandos em Angola, Guiné e Moçambique, um quarto sobre o centro de instrução de Lamego e o papel do Regimento de Comandos nos acontecimentos de 25 de Novembro de 1975, o quinto sobre as condecorações outorgadas àquela unidade e a vários dos seus heróis, o último sobre a Cooperação Técnico-Militar com os países africanos lusófonos e as novas missões de paz (Timor-Leste, Afeganistão) em que esses militares são empregues.

À excepção das imagens mais recentes, todo o documentário é a preto e branco, com recurso a fotografias e imagens de arquivo da RTP e de particulares. No caso dos capítulos sobre Angola, Moçambique e Guiné, todos começam com imagens duras de vítimas da guerra colonial. O trabalho "foi feito como série para televisão", refere ao DN o seu responsável, Manuel Carlos Santos, autor de outros trabalhos divulgados pela SIC sobre militares e ex-combatentes portugueses. "Quis sair do registo da guerra colonial, onde estão todos os outros filmes." Agora "o segredo foi não ter muita gente a falar. Optei por ter apenas três pessoas por capítulo, à excepção do último, pois a história [dos Comandos] é vasta e era preferível concentrar para ter um filme mais coerente", adianta.

De fora ficou Marcelino da Mata, o mais condecorado de todos os comandos do Exército e que nos últimos anos tem estado à margem do universo desses antigos combatentes. Segundo Carlos Santos, tal deveu-se a dificuldades em o contactar.

Apesar das boas vontades que conseguiu reunir para que o projecto fosse viável, Carlos Santos teve mesmo de pagar mais de 300 euros pelo uso da canção francesa que os Comandos adoptaram desde o início (e um sinal da influência que a Legião Estrangeira e os Para-Comandos belgas tiveram na constituição da força): Donne-moi ma chance, de Richard Anthony (1964). É que os direitos de autor já caducaram, mas "ainda há direitos sucessórios" a respeitar, conta o responsável.

Zemba e Quibala (Angola), Namaacha (Moçambique) e Brá (Guiné) são os locais onde se formaram as tropas comandos. Além do referido Marcelino da Mata, muitos outros heróis se destacaram nas cerca de quatro décadas de história dos Comandos - onde sobressai o general Almeida Bruno, o mais antigo dos Boinas Vermelhas vivos e o mais condecorado dos oficiais do Exército. "Somos diferentes. Onde estava o soldado, estava o capitão", regista Vítor Rodrigues, secretário-geral da Associação de Comandos.

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